Fechado para balanco

O vento passa, assoviando no tunel do trem. Fustigando um pequeno bosque no outro lado da pista, ruido caracteristico se segue. Suas rajadas balancam a bicicleta aonde estou encostado, olhando o sol se por. O lusco-fusco de fim da tarde confunde os fotossensores dos postes, fazendo-os acender e apagar atrapalhadamente. Pego a mochila, procuro os chocolates que joguei dentro antes de sair pro trabalho. Tento abrir a embalagem, cai da mao. Uma, duas, tres vezes. Porcaria de vento. A mao tremula junta do chao mais uma vez o chocolate. Os olhos ardem em lagrimas ao olhar pro horizonte, por causa da longa noite que se passou. Num suspiro de misericordia do chocolate, consigo abri-lo, e o ponho na boca, mastigando desajeitadamente. Parece sem gosto. Leio no papel, "Lindt". Porcaria de chocolate.
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Olho de novo pro sol, mas esse ja se foi, pintando um horizonte agora solitario de amarelo-vivo. Os olhos se enchem de lagrimas, mais uma vez. Viro o pescoco de um lado para o outro, disfarcando o choro, de mim mesmo. Ninguem caminhando, nenhum carro, alguns corvos gorgolejam nas arvores a frente. Puxo uma garrafa de agua exageradamente grande da mochila, lembro-me da conversa no dia anterior. 6 galoes de agua mofando em casa, porque o bebedor oficial de agua foi embora. Mais lagrimas. Bebo uns goles longos, me engasgando de leve. Penso em rir da situacao. Nao da. Nao da. Nao dessa vez.
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A bailarina se casou. A cabeca explode em pensar nos mil jeitos que ela entrou, nos mil vestidos que ela vestiu, nos convidados que ela encantou, nos sorrisos e lagrimas que ela causou, ao entrar salao adentro, sem do nem piedade dos mortais. Casou a bailarina, a geologa, a irma, a parceira. Tudo de uma vez so. E gente demais pra casar, nao da pra pedir que um coracao so aguente estar ausente de tanto casamento de uma vez so.
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Abro mais uma vez a mochila. Me dou conta que nao tem mais nada pra procurar. Sinto na ponta dos dedos um livro, um bloco, um bone. Porcaria de mochila. Devia ter posto algo que preste dentro. Se tivesse como, a coisa que eu mais queria ter posto aqui dentro e um abraco decente. Isto eu realmente poderia usar agora. Vou ter que parar na lan house, antes de ir pro trabalho. Preciso falar alguma coisa pra alguem. Nem que seja so pro teclado do computador.
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O guidao da bicicleta range ao ser empurrado. Ao pensar mais uma vez 'porcaria de' bicicleta, dou-me conta da minha insatisfacao, do meu desassossego. Dou uma respirada, pisco demoradamente, mais lagrimas. Ladeira abaixo, paro em frente da lanhouse. E melhor entrar, e escrever um pouco agora, antes da jornada de trabalho.
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E hora de parar, e analisar tudo isso, com calma, sem pressa. E hora de sentar, com um copo de vinho, um caderninho, quem sabe ate um violao, e tirar a prova real disso tudo. Sem auto-comiseracao, sem arrependimentos nem conclusoes precipitadas, mas com honestidade, clareza e mais um pouco de coragem. Eu e o caderno, e mais ninguem. Quem sabe uma lua cheia, pra ajudar com a coragem. Ou me arranca-la de vez.
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Ainda bem que "Ele e antes de todas as coisas, e Nele tudo subsiste."
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