sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Velas dessa inútil poesia em outro litoral

Subindo a rampa que vem do porão do Press Club paro em frente ao portão de metal, esperando o Steve chegar com a chave. Largo as duas lixeiras de plásticos com roda em frente ao portão, e puxo da cintura o velho paninho azul-desbotado. As pernas latejando do cansaço de passar a noite de pé já nem sentem mais muita coisa. Os poucos sons que vêm da Brusnwick Street são os das poucas baladas que ainda estão abertas.
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Subindo a rampa com mais duas lixeiras, Steve puxa as chaves do bolso. Puxa um assunto qualquer, pra distrair um pouco desse negócio de empurrar lixeiras. Vamos até o final do beco deixá-las aonde o caminhão encosta de costume, um céu estrelado imperturbável sopra o seu frescor de sereno sobre as calçadas salpicadas de bêbados. Deixadas as identidades nos numerosos copos noite afora, saem aos poucos das tocas flertando com o bestial. Esbarrando em paredes, postes, carros; vomitam, choram, riem, brigam, caem, desmaiam, sangram. O bizarro se torna normal, corriqueiro, após alguns finais de semana vendo as mesmas coisas. É o espetáculo paradoxal da auto-destruição, esta coisa de ver o corpo humano lutando pela existência, pela sanidade, e o homem entregando-se ao caos, às gargalhadas.
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Descemos, eu e Steve, pra pegar mais um par de lixeiras cada um; é preciso pegá-las rápido, pra dar conta de puxar trinta e poucas lixeiras rampa acima antes que o corpo se dê conta de que, na verdade, ele não tem mais forças. Rampa acima, rampa abaixo; vez por outra é preciso largá-las e arastar para fora um sujeito muito mamado, que à procura de um beco pra mijar ou vomitar, acaba encontrando a entrada pro subsolo da boate.
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A lembrança do cheiro extremamente forte que vinha das dezenas de lixeiras me enche o coração e a cabeça de coisas boas. Talvez só um cheiro forte e estranho como aquele seria capaz de estabelecer um elo forte como este. Como o cheiro quente e ácido que subia da máquina de lavar copos, quando a gente abria a porta e a fumaça que saía encharcava o rosto; a sensação de secar os copos ainda quentes bem devagar, numa quarta feira não muito movimentada; ou então sentir a resistência leve da vassoura no chão salpicado com o vidro de um drink recém derrubado.
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Este tipo de lembranças, em sua maioria, deixa para trás a possibilidade de serem classificadas entre boas e ruins - acabam sendo o nosso único caminho de volta a um mundo que já não existe mais. E quando eu me lembro da dor excruciante nas costas de carregar baldes de 50 kg de gelo, ou uma bandeja com 90,100 copos em um braço só, enquanto o outro cavava o caminho por entre as pessoas, não penso nessas lembranças como boas, ou ruins. Apenas penso nelas, com um carinho e saudade imensuráveis.
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"Ele é antes de todas as coisas, e Nele tudo subsiste."

3 comentários:

  1. Olá guri,
    Bom ser lembrado sobre isso: o que nos amarra à vida não são apenas os bons momentos. Os tempos em que lutamos duro para sobreviver nos marcam e forjam de uma forma muito profunda e duradoura. Certamente porque nos põem à prova como seres humanos. Gostaria de nunca reclamar da dureza do trabalho ou das dificuldades do dia a dia, afinal é isso que nos mantém vivos. A pergunta é: como lembrar isso na segunda, na terça, na quarta.... As tuas palavras mostram que já descobriste como se vive de verdade. Um abraço no coração. Celso

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  2. Grande amigo, como estás ? Não sei se por atarefado ou por falta de assunto, mas.... onde andam os teus comentários ? Cadê as alfinetadas em nossa inércia ? Estou, acho que posso falar estamos com saudades... Lembra do diálogo do principe com a raposa:"...tu te tornas responsável por quem cativas...". Viaje meu amigo, encha a aljava de idéias, nós estamos aqui, próximos ao alvo, esperando. Um beijão! Celso.

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