Não há azul tão calado como o azul do Pacífico alado

Era um dia de manhã bem cedo. A hora local ninguém podia dizer, pois o avião fugia do sol que se erguia forte no oriente. Todas as janelas da cabine se encontravam fechadas há muitas horas. Eu já havia acordado há longos minutos, e estava começando a ficar inquieto. Os dois vôos anteriores, um Ctba-SP, o outro SP-Buenos Aires, haviam sido os primeiros vôos da minha vida.

O primeiro foi especial, por ser "O" primeiro. A aeronave sobrevoou o litoral paulista brevemente, e aquela já foi uma vista deslumbrante. O outro foi monótono em sua maioria, mas redimido no final por uma vista assombrosa da capital argentina completamente iluminada por luzes amareladas borradas por uma fina neblina. Era como se a cidade estivesse tomada por chamas, o céu arroxeado quase se entregando à noite.

Lembrei-me brevemente destas coisas, e foi o que bastou pra eu concluir que estava perdendo uma vista espetacular do lado de fora da pequena janela. O Heitor havia apagado algumas horas depois de sairmos de Buenos Aires, e continuava a dormir. E eu comecei a bolar um jeito de abrir a janela sem acordar ou incomodar ninguém.

Peguei dois pequenos travesseiros que estavam no meu colo, e os coloquei contra a janela. Mesmo pequenos, eles dariam conta de tapar qualquer entrada de luz quando eu enfiasse a cara na janela e os colocasse em volta do rosto. Não pensei muito, e abri num impulso só toda a janela, enfinando a cara em seguida, e cobrindo o cantos com os travesseiros. A primeira espiada quase me cegou; era tanta luz que eu achei que estivesse olhando direto para o sol. Fechei instintivamente os olhos, e fui abrindo aos poucos, para acostumar com a luz.. E foi aí que eu vi.

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Maior do que qualquer coisa que eu já havia visto, uma esfera de água tão imensa que não coube nem na minha memória revelou-se a milhares de metros abaixo do avião. Para todas as direções, era mar, mar, mar. E nas fronteiras mais distantes, a água e o céu se confundiam num horizonte borrado pela distância extrema. E o céu, como falar do céu..? Mesmo os mais entusiásticos admiradores das artes não achariam adjetivos pra falar da força daquele azul. A sua infinita intensidade me fez pensar na paleta de cores que o Criador tem à sua disposição. Era céu e mar que dava pra diluir todo o mal do mundo, na proporção de uma colher de chá de maleza pra um infinito de azul.

Peguei uma sacolinha de papel e escrevi o que eu acho que foi meu primeiro e único poema até hoje:

"Não há céu tão azul

como o céu do Pacífico Sul.

Não há azul tão calado

como o azul do Pacífico Alado."

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Viva o Som!

"Ele é antes de todas as coisas, e Nele tudo subsiste."