O desconforto da poltrona do cinema, o alívio de levantar dela, e caminhar; o ar gélido das últimas horas do dia, a escuridão, que fazia anônimos todos os estabelecimentos em volta. Aquele momento, pensei eu, poderia muito bem estar acontecendo em qualquer lugar desse planeta estupendo. Mundo mundo, vasto mundo.* (Carlos Drummond de Andrade)
Saindo de uma sala de cinema dum shopping..! Ainda estou tentando entender o que foi que trouxe tudo isso à tona. Fui surpreendido por um sentimento muito familiar. Como o que caminhava ao meu lado, nas longas horas vagando pelas ruas de Sydney nas madrugadas caladas. Me lembro da sensação de olhar para os prédios e postes, e aproveitar a solidão como quem aproveita um mergulho gelado.
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Não sabia que estava com tanta saudade de conversar comigo mesmo. Enquanto todos os sentidos se aguçavam, como que procurando registrar cada diminuta sensação, eu prestava atenção no jeito tão bonito que o meu coração ouvia atento a tudo o que os sentidos murmuravam. A direção da brisa, o ecoar dos passos, o amarelo das luzes, que pintava a cena, balançando devagar ao ritmo dos pés.
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A gente se entope de comida, liga a música bem alto, planeja o dia de cabo a rabo; e faz de tudo pra chegar na hora. E toda essa beleza sutil, tudo que importa mais, o pão e a água da nossa alma, fica de lado.
É preciso a gente se encontrar*. É preciso a gente se lembrar de quem a gente é. É preciso a gente parar de negar, de se esconder. Maquiados de homens e mulheres da era da informação, somos na verdade nada mais que um bando de ignorantes, passando pela vida sem deixar nada mais que algumas toneladas de prejuízo ambiental. Concentrados nos preços das vitrines, estamos pagando o mais alto preço: o do orgulho. Orgulho de seguir caminhando nas trilhas do fútil, do fácil, do socialmente razoável - enquanto vendemos nossas almas em tantas parcelas quantos forem os nossos dias.
Ainda há tempo. Enquanto houver mesmo a mais simples manifestação de vida, ainda haverá ESPERANÇA. E a esperança é o que nos faz erguer os olhos. Quem tem ouvidos para ouvir, Ouça.
*Terra dos Homens - Antoine de Saint-Exupérri
Viva o Som!
"Ele é antes de todas as coisas, e Nele tudo subsiste."
“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não. Quero uma verdade inventada”. Clarice Lispector
ResponderExcluirlindo
ResponderExcluirCadê o cara ?!?!?!
ResponderExcluirobrigado Daniel! Essas palavras soam como um despertador, sair da cama quentinha depende de cada um. Beijão!
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