terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Charlotte, NC - 24/12/2011

Uma mãe com duas filhas pequenas pára na frente do portão de embarque, pra perguntar algo para o funcionário da U.S. Airways. Negro, meia-idade, um tanto gordinho e dono de uma risada daquelas que fazem o corpo inteiro meio que quicar, ele responde prontamente, com alegria que mais tarde descobri ser típica de todos os americanos que se vêem trabalhando durante o feriado de natal. Estamos na asa D, uma das 5 asas do aeroporto de Charlotte, na Carolina do Norte. Asiáticos de todos os cantos enchem o saguão, mas por incrível que pareça, a raça dominante neste meu primeiro vislumbre da América são indubitavelmente americanos. Brancos e negros, sozinhos ou acompanhados, famílias, adolescentes, velhinhos.

Volto a prestar atenção na conversa entre a mãe e o senhor da companhia aérea. Ele descreve como as coisas tem mudado nos últimos tempos. "Nós costumavamos ter estações movimentadas, e períodos de calmaria entre elas. Agora, não existem mais tempos calmos. Estes corredores estão cheios de gente apressada. Hoje, por exemplo. Hoje é dia de Natal, e olhe só você."
A moça diz, "Deve ser duro pra você e sua família, tê-lo trabalhando no dia de natal."
"Não senhora! Não estou reclamando. Mesmo! Se tem alguém nesse lobby que não deve reclamar, este alguém sou eu. Você sabe, eu tenho 12 netos. Doze! O mais velho deles me ligou ontem a noite 'Vovô' ele disse, 'vou entrar pro esporte'. Isto é sensacional, filho! Você é alto, pode praticar basquetebol ou futebol americano. Qual vai ser? 'Os dois, vovô!' Agora me diga você: como é que eu posso reclamar?"
A moça,"Você deve estar muito orgulhoso".
E ele,"Acertou em cheio, minha senhora. Em cheio! Eu sou o vovô mais orgulhoso da América. Feliz natal! Feliz natal", diz ele enquanto se afasta, sua risada enchendo o lobby.


Logo atrás de mim, uma família viaja com os dois avós. A velhinha vira pra um velhinho visualmente mau-humorado, e tenta: "docinho, sabe o que está passando hoje a noite na tevê? A maratona do 'The Big Bang Theory'. Ele parece amenizar a expressão de azedume por meio segundo, mas logo a retoma. Olha em volta, e logo na sua frente há um grupo de meninos chineses bem barulhentos. Ele os olha com desprezo, enquanto a avó acena, brincalhona, para um bebê na poltrona oposta à sua.


Me levanto, procurando o banheiro. Vejo estocadas em uma geladeira da banca de jornal, à minha esquerda, garrafas de água de todos os tipos e tamanhos. Imediatamente eu sinto um desejo irresistível de tomar água. Penso comigo mesmo, "não se engane. Tudo aqui é feito pra despertar esta sensação. Você nem está com sede.' Minutos depois, caminhando para fora da banquinha com uma garrafa de água de 1 litro, me dou conta de que preciso ir ao banheiro. Coloco a garrafa na mochila e começo a voltar pela asa D, aé encontrar não muito longe uma placa identificando o sanitário masculino.

Ao entrar, dou de cara com a cena típica, vários homens de pé encarando a parede, tentando parecerem casuais. Ao final do curto corredor de ladrilhos brancos, um senhor negro, baixinho e magrelo, com os cabelos grisalhos cuidadosamente penteados para trás me diz, com um sotaque muito musical, "Merry Christmas young man! Merry Christmas!". Ele é o zelador que está cuidando dos banheiros na manhã de natal. Olho pra ele e respondo "Same to you, sir! Merry Christmas". Ao escolher um dos mictórios, presto atenção com os ouvidos na cena ao meu redor: a cada um que entra no banheiro, o zelador enfaticamente os cumprimenta e deseja um feliz natal, a cada um. As mensagens são sutilmente personalizadas. Um menino entra com seu pai, este com uns 2 metros de altura. Ele diz aos dois, "merry Christmas, big man! And to you too, little fella!" O seu sorriso e sua entonação obrigam todos os passantes a pelo menos reagir. Alguns mais friamente, outros com mais entusiasmo, mas ele com um ânimo invejável, constante.

Não resisto, e digo ao simpático senhor: "That's a nice attitude you got there." Ele me olha, sério, e me diz, com um sotaque que me remete diretamente a Samuel L. Jackson em 'Pulp Fiction': "Sir, 'is you attitude tha' definez' you." Sorrio, quase desconcertado, enquanto ele caminha com o esfregão, cantarolando o recém-criado refrão. "'is you attidude, that definez you. Is you attitude.." Lavo minha mãos, e o pergunto: "E daí, vai dar tempo de chegar em casa pra ceia de natal hoje? E ele me olha sério, depois com um sorriso irresistível, "Sim senhor. Hoje eu janto com meu amor. Trinta e um anos, e nunca passamos o natal longe um do outro. Merry Christmas, young man!" Diz ele pra mim, enquanto caminho para fora do banheiro.
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E vamos pra estrada!
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Daniel Martini

3 comentários:

  1. Que lindo, Dani..! Jah tinha cutido a historia ouvindo voce contando, mas agora com um pouco mais de detalhes... ela esta ainda mais especial!

    ...Beijos gostosura!

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  2. Dá-lhe guri! Escrever é uma arte que cai bem na tua estampa. Interessante começar a conhecer um país pelos olhos de um zelador de banheiro. Certamente é uma visão mais próxima da realidade.

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